Moda e poder: o que o look da Virgínia na CPI revela sobre imagem e privilégio
A roupa que você veste diz muito sobre a imagem que deseja transmitir — e o look da Virgínia Fonseca na CPI comprova sobre o seu posicionamento.
Na última segunda-feira (13), a influenciadora Virgínia Fonseca foi convocada para depor na CPI das Bets no Senado Federal, vestindo um moletom preto estampado com o rosto da filha, calça jeans, maquiagem simples e cabelo sem definição. Diante disso, a internet foi à loucura com a forma da blogueira se vestir e gerou repercussões e análises sobre a vestimenta informal em um evento político. Segundo dados do SocialBlade, o comportamento da blogueira gerou uma perda de 500 mil seguidores no seu perfil do Instagram após sua participação na CPI. O caso mostra como a moda é uma linguagem visual que determina poder e posicionamento.
A roupa comunica
Virgínia Fonseca é conhecida por expor o seu dia a dia com as filhas, sua marca de maquiagem e seus looks ousados e elegantes no programa que participa. Porém, sua vestimenta informal e inadequada na CPI da Bets - casas de apostas - revela a intenção por trás da escolha.
A priori, a moda não é apenas sobre o ato de vestir, ela vai além de peças de roupas nas lojas ou nas redes sociais. A moda faz parte de uma linguagem simbólica que carrega mensagens sobre quem somos, quem queremos ser e onde queremos chegar. Em interações sociais, a primeira impressão que temos a respeito de uma pessoa é moldada pela forma de se vestir. Dessa forma, isso pode influenciar como somos tratados e o que a sociedade espera de nós.
Dizer que a moda é futilidade ou que roupa não define alguém é ignorar seu papel como ferramenta de transmitir uma mensagem. A forma como nos vestimos carrega códigos sociais e culturais que ditam e influenciam o nosso comportamento. A situação da Virgínia comprova como a moda está relacionada à nossa imagem pessoal e sua escolha foi estrategicamente pensada.
História, imagem e estratégias
Desde a Idade Média, a vestimenta comunicava sobre o status social, poder e classe. O uso do brocado, vestidos volumosos e repletos de bordados estavam presentes nas mulheres burguesas da época. Já no século XVIII, a última rainha da França, Maria Antonieta, utilizava penteados extravagantes de quase 1 metro de altura e vestidos luxuosos para afirmar sua posição de nobreza.
Ao longo do tempo, a moda refletiu valores de cada época e sociedade, sendo um espelho do contexto político, cultural e social. Atualmente, com a conquista do espaço feminino nos ambientes de trabalho, o uso de ternos virou símbolo de autoridade na comunidade feminina em âmbitos privilegiados por homens. Logo, o look da Virgínia intrigou os usuários digitais, pois quebra o protocolo, mas a escolha não foi por acaso. É evidente que essa estratégia foi cuidadosamente pensada para transmitir uma mensagem de inocência, humildade e vulnerabilidade para criar conexão emocional com os seus seguidores.
Portanto, a moda é uma forma de linguagem visual com forte potencial de comunicação. Virgínia ao apresentar um look desleixado diante do cenário político, demonstrou que a aparência também fala alto, pois foi estrategicamente escolhida para suavizar sua imagem e reforçar sua inocência apesar da polêmica envolvendo casas de apostas. A perda de 500 mil seguidores no Instagram mostra que a estratégia não passou despercebida, mas não trouxe um cancelamento massivo que prejudicasse a carreira da blogueira.
Desigualdade estética nas esferas de poder
Além da moda comunicar e expressar um comportamento, é também um aparato ideológico que reproduz e reforça desigualdades sociais, políticas e econômicas. Sob essa perspectiva, é necessário analisar como uma determinada classe social é privilegiada por meio da roupa que ela veste. O sociólogo Pierre Bourdieu afirma que as escolhas estéticas - como a peça que usamos - refletem nossa posição na sociedade, na qual a elite cria tendências ou são isentas de determinadas críticas.
Diante desse panorama, a vestimenta informal não representou perdas significativas para a Virgínia, pois as plataformas midiáticas decidiram abordar essa situação em um tom mais interpretativo do que com punitivo. Isso revela que o cancelamento estético, no entanto, não é igual para todos, visto que a fama e dinheiro que determinada pessoa possui pode mitigar os efeitos negativos.
A roupa da Virgínia foi interpretada como estratégia, porque o contexto simbólico a favorece. Por conseguinte, a mídia acatou essa performance como forma de publicar a relação que a moda tem com a imagem pessoal, o que não é uma mentira, mas esconde partes do contexto social que reforça estruturas sociais ao julgar as pessoas de determinada classe distinta.
De acordo com esse contexto, Angela Davis, em seu livro “Interseccionalidade” argumenta que mulheres negras, periféricas, indígenas ou fora dos padrões impostos pela sociedade não possuem o mesmo direito à informalidade ou à simplicidade de imagem.
A ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, por exemplo, foi alvo de comentários na imprensa por suas escolhas de vestuário em eventos políticos antes de ser assassinada, ela optava por roupas coloridas ou que representassem a cultura afro-brasileira (turbantes ou acessórios artesanais), ela rompeu com o padrão branco tradicional e códigos de vestimenta conservadores. Logo, quando a influenciadora Virgínia utilizou peças menos sofisticadas em um ambiente político suas críticas foram suavizadas do que as críticas recebidas por Marielle.
Conclusão
Depreende-se, portanto, que o julgamento estético é direcionado apenas por um grupo vistos como inferiores perante o âmbito social, e quando pessoas fora do padrão expressam sua identidade, são criticadas pelo público. A moda é julgada não pela roupa em si, mas pela pessoa que a veste e a estrutura de poder que ela representa, porque a vestimenta e o sistema em que está inserida, é um marcador de classe e gênero e na seletividade social da crítica pública. Se o moletom e a calça jeans que a Virgínia usou no Senado Federal fosse vestido por alguém sem o privilégio da fama, do dinheiro ou da branquitude, o cancelamento seria o mesmo? Como dizia Pierre Bourdieu, existe um capital simbólico que protege certas figuras famosas de um tipo de crítica que recai violentamente sobre outras.
A moda não é só consumo. É também poder e política. Moda sem inclusão no cenário político e sem consciência social, é apenas um conto de fadas distante da realidade social.
"A moda não é só consumo. É também poder e política."
A moda e política andam juntas, podemos ver muitos fatores sociais e políticos sendo refletidos na moda ao longo da história. O modo como nós vestimos comunica algo para o mundo, infelizmente muitas vezes não nós atentamos a isso.
Enfim, ótimo texto. Parabéns!
Parabéns pelo texto, Karen! Muito bem escrito e com ótimas referências!